quinta-feira, 28 de setembro de 2017

A era dos especialistas em nada

Há não muito tempo atrás, Márcio (nome fictício por motivos óbvios) adentrou no mundo do empreendedorismo e abriu uma tapiocaria super descolada num bairro boêmio da cidade, com direito a um ambiente retrô e uma jukebox tocando músicas de época.

Tapiocaria retrô (foto meramente ilustrativa tirada do Google Imagens)
Para ter uma estreia avassaladora, Márcio resolveu que a inauguração de sua tapiocaria seria fechada ao público.

Foram convidados apenas amigos próximos, familiares, colunistas sociais, jornalistas, blogueiras de moda, instagramers do mundo fitness (aquelas mulheres que postam foto malhando e são seguidas por milhares de pessoas), além de um ator do quinto escalão da Globo que recebe cachê para comparecer em eventos aleatórios.

Os colunistas sociais retribuíram o convite divulgando a tapiocaria "ma-ra-vi-lho-sa" nos jornais, as blogueiras do mundo fashion tiraram várias selfies no local, as instagramers fitness postaram fotos de tapioca com rúcula e tomate seco para seus milhares de seguidores admirarem, e o ator global sorriu para as fotos, embolsou seu cachê e foi embora pra nunca mais voltar.

Beba champanhe e coma canapés na exclusiva inauguração dessa elegante tapiocaria
A estratégia de marketing na inauguração deu certo. A tapiocaria passou a ficar sempre cheia, e Márcio passou a se auto-promover como empreendedor de sucesso, um jovem prodígio, um verdadeiro Jorge Paulo Lemann das tapiocas.

Com bastante culto à própria personalidade e uma ajudinha da imprensa que faz reportagem sobre qualquer bosta, Márcio logo foi alçado à posição de jovem prodígio da iniciativa privada, passando a aparecer em matérias sobre pessoas com menos de 30 anos que têm negócios de sucesso, bem como ganhando prêmios de "jovem revelação" dentro dos órgãos de classe e associações empresariais.

Em seus perfis nas redes sociais, Márcio fez jus ao seu status de "expert em empreendedorismo" e passou a ensinar aos reles mortais sobre o poder do pensamento positivo, sobre como você deve acreditar nos seus sonhos, como empreender para mudar o mundo vendendo tapioca, sair da zona de conforto, enfim, todo aquele papo chato pra cacete que todos nós já conhecemos muito bem.

Além de administrar a tapiocaria, Márcio começou a flertar com o empreendedorismo de palco
Enquanto se tornava uma subcelebridade local e espalhava a palavra do empreendedorismo com o mesmo furor que um jesuíta catequizava índios no Brasil colonial, Márcio não atentou ao fato de que sua tapiocaria estava perdendo movimento.

Não sei se em outras regiões do país é diferente, mas em regra uma tapiocaria é o tipo de lugar que você vai uma vez, pensa "ok, legal" e nunca mais volta. Foi assim que me senti quando visitei a tapiocaria do Márcio, e é assim que a absoluta maioria das pessoas provavelmente se sentiu também.

Foi só o estabelecimento do Márcio deixar de ser "a novidade do momento" que o faturamento começou a cair. Com a queda no faturamento veio a dificuldade de pagar empregados e os fornecedores, que por sua vez se negavam a continuar fornecendo os insumos até a quitação dos débitos.

Quando você tem um restaurante e fica sem crédito com os fornecedores do Ceasa, só lhe resta comprar ingredientes mais caros e menos frescos em supermercados, o que diminui ainda mais a sua margem de lucro e a qualidade das suas refeições.



Com a crescente queda no faturamento, não demorou muito tempo até Márcio não ter mais dinheiro para pagar o aluguel do lugar onde funcionava a tapiocaria, e o calote que ele deu no locador do imóvel resultou num processo de despejo e de cobrança de alugueis atrasados.

Sentindo-se encurralado por dívidas vindas de todos os lados, o jovem empreendedor de sucesso dispensou todos os funcionários, fechou as portas da tapiocaria, tornou privado seus perfis pessoais, deletou os perfis da empresa nas redes sociais e "desapareceu".

Não sei. Ninguém sabe.
Mais e mais processos judiciais pipocavam contra Márcio e sua falida tapiocaria, dentre eles ações trabalhistas ajuizadas pelos ex-empregados.

Todos os ex-empregados alegam que nunca tiveram a carteira de trabalho assinada, que não recebiam nenhuma verba trabalhista (FGTS, horas extras etc) e que recorrentemente sofriam assédio moral.

Só pra vocês terem uma ideia do alto nível de profissionalismo desse premiado empreendedor, esse é o teor de um processo de uma ex-empregada da tapiocaria que recebi pelo WhatsApp:

O mundo dá voltas, não é mesmo? Num momento o sujeito está lá falando sobre acreditar nos seus sonhos como receita garantida para o sucesso, e em questão de meses está afundado em dívidas, fugindo de credores e respondendo a todo tipo de processo, inclusive inquérito pelo crime de apalpar peitinho alheio.

Mas enfim, eu contei a aventura empresarial do Márcio pra dizer que, depois de alguns meses sumido, ele finalmente retomou com as aparições públicas, especialmente nas redes sociais.

Só que agora ele não se apresenta mais como o jovem enterpreneur de sucesso, e sim como...

Life Coach
Business Coach

Isso mesmo, Márcio agora é coach.

O camarada cujo histórico consiste em molestar garçonete, falir tapiocaria e fugir de dívidas agora está aí, pronto para te dizer como você deve viver sua vida e administrar seus negócios.

Todos os dias Márcio fala para seus seguidores sobre programação neurolinguística, como vencer desafios, aumentar produtividade, maximizar resultados de sua empresa e o caralho a quatro.

Márcio ajudando os outros com sua vasta experiência
São 13 milhões de desempregados no Brasil, dentre eles milhões de desesperados que procuram, procuram e não encontram nenhuma colocação no mercado de trabalho.

Esse cenário foi terreno fértil para proliferação dos coaches, cuja ampla maioria consiste em pessoas carismáticas que misturam autoajuda com conhecimento pseudocientífico para supostamente revolucionar a vida das pessoas que pagam por seus serviços.

Obviamente o coach te cobra uma boa quantia em dinheiro para te ajudar a "mudar para a melhor", e  é claro que se no fim das contas você não sentir nenhum resultado, é porque você não se esforçou o suficiente.

Como hoje em dia um vídeo no YouTube vale mais do que mil palavras, eu recomendo fortemente que vocês assistam os vídeos abaixo. Aviso de antemão que, apesar de serem vídeos bem curtos, são tão constrangedores que beiram o obsceno:



A absoluta falta de regulamentação sobre essa "profissão" faz com que qualquer ser humano possa se autointitular "coach".

Aliás, você pode ir mais além e se autointitular master coach, que é o que alguns já fazem para se apresentar como uma versão evoluída em relação aos coaches comuns.

Digo mais: você pode criar o Instituto Interamericano de Coaching e vender por R$ 4 mil um cursinho online de 12 horas-aula, em que quem assistir até o final receberá o certificado de Supreme Mega Coach, ou seja, quem comprar seu curso será muito mais fodão que um mero master coach.

Como vocês podem ver, o céu é o limite para a putaria quando uma profissão não tem regulamentação alguma.

Esse desconhecido fez um curso para Leader Coaching em alguma instituição que ninguém nunca ouviu falar e agora está pronto para te dar aulas de liderança
Antes de dar ouvido àquele sujeito simpático que diz que pra você conquistar o mundo basta acreditar nos seus sonhos, peço que se lembrem que o cara que está tentando te dar lições de vida pode ser um vendedor de tapioca falido que não tem autoridade alguma para te aconselhar no que quer que seja.

E o pior de tudo é que Márcio sequer é o único coach de credibilidade duvidosa que eu conheço. Conheço também uma menina que durante muito tempo trabalhava com venda de pulseiras Power Balance no mercado livre (quem se lembra desse troço?), depois casou e virou dona de casa, e agora divorciou e virou coach de emagrecimento.

E vocês, amigos? Conhecem algum coach? Já tiveram experiência com isso? Se você é coach e ficou chateado com o post de hoje, arranja uma profissão de verdade antes de dar faniquito nos comentários.

Aquele abraço!

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Não estou morto

Passei um tempo ausente e alguns anôns desprovidos de bons costumes se aproveitaram disso para espalhar boatos sobre minha morte, e a área de comentários do post passado se tornou um misto de gente analisando a veracidade dos boatos, gente preocupada e gente desejando que eu descanse em paz.

Não morri, apenas fiz uma pausa.

Em determinado momento me senti desinteressado em me envolver com blog, então achei que uma pequena pausa de algumas semanas seria pertinente. Nunca fui muito fã de ficar na frente do computador, então "sumir" pra mim é muito fácil.

Hoje me dei conta de que a "pequena pausa de algumas semanas" estava se transformando em três meses de completo sumiço, então desenterrei meu notebook que estava esquecido no fundo de uma gaveta e resolvi retomar os trabalhos bloguísticos.

Vou preparar um post para a próxima quinta-feira e tentar voltar a postar regularmente.

No post de hoje desativarei os comentários pois o único objetivo foi pôr fim aos boatos mórbitos que estavam rolando no post passado.

Abraço e até quinta!
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